O
Estadão nesse domingo repercutiu pesquisa recente do
CEBRID sobre consumo de
crack no país. Não encontrei os dados no site do CEBRID, mas isso não importa. Os dados são impressionantes e, muito semelhantes aos observados nos Estados Unidos. Em São Paulo, onde há queda, o consumo se mudou para a área rural e pequenas cidades, embora a cracolândia - bem menor - ainda resista.
O mais importante nesse caso foi a discussão sobre a relação crack e homicídio. Aparentemente, há uma relação relativamente direta entre os dois fenômenos.
Na extensa reportagem há dois momentos que seriam engraçados, se não fossem dramáticos.
O primeiro do responsável pelo programa de saúde mental do Ministério que reclama da falta de leitos, que ele mesmo reduziu. O segundo, de professor universitário cujo discurso leva a concluir que as taxas de homicídio se reduziram em São Paulo por causa do PCC que teria organizado o crime.
Em 20 anos, crack alcançou todo o País
Bruno Paes Manso
Os primeiros relatos sobre o consumo de crack no Brasil surgiram em 1989, entre crianças que viviam nas ruas do centro de São Paulo, um ano antes da primeira apreensão da droga feita pela polícia na cidade. Feito do cozimento da cocaína com bicarbonato de sódio, potente, barato, famoso pela fissura que causa nos viciados, sempre em busca da próxima dose, 20 anos depois do começo da epidemia em São Paulo o crack migrou para os demais Estados e o mercado da droga se consolidou em todo o País.A droga já teve o uso identificado entre consumidores das 27 capitais brasileiras, principalmente jovens e pobres, conforme pesquisas do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid). Em São Paulo, Rio, Porto Alegre e Salvador, 39% dos pacientes que procuraram os principais centros de tratamento ambulatorial e hospitalar tinham problemas com crack, duas vezes mais do que os pacientes viciados em cocaína, segundo o Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.No Rio, onde o Comando Vermelho proibiu que o crack fosse comercializado na década de 1990, a droga chegou com força há cinco anos."É um tsunami e a principal preocupação atual nas comunidades. Favelas como Manguinhos e Jacarezinho têm cracolândias deprimentes", diz Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.No Estado de São Paulo, a apreensão de crack pela polícia bateu recorde neste ano, alcançando até setembro 731 quilos, 10% mais do que o total de todo o ano passado. No mesmo período, diminuiu a quantidade de maconha e cocaína apreendida. Para piorar, o problema migrou para municípios paulistas de pequeno e médio porte, alcançando trabalhadores rurais das plantações de cana-de-açúcar.Em São José do Rio Preto, cidade de 450 mil habitantes do interior do Estado, há pelo menos 1.200 viciados em crack sendo acompanhados pelo programa de redução de danos à hepatite e HIV. "Nove mulheres estão grávidas", diz a coordenadora de Saúde Mental de São José do Rio Preto, Denise Doneda. A gravidade do crescimento da comercialização do crack foi um dos principais pontos de discussão do encontro de colegiado dos coordenadores de saúde mental ligados ao Ministério da Saúde, ocorrido em novembro. De Dourados, em Mato Grosso do Sul, veio o relato de que o crack estava sendo consumido entre comunidades indígenas que vivem perto de centros urbanos. "Existe grande dificuldade para lidar com o problema porque a abordagem ao viciado é complicada e não existem leitos hospitalares à disposição para o tratamento", diz Pedro Gabriel Delgado, coordenador Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde.A disseminação do uso em pequenas cidades brasileiras também foi outro ponto destacado no encontro. Em Estados nordestinos, que demoraram a sentir o drama do crack, a droga já aparece entre as preferidas dos usuários. Em Pernambuco, o crack começou a chamar a atenção entre os anos de 2001 e 2002, principalmente na região metropolitana do Estado. Atualmente, já atinge o agreste e o sertão - área tradicional da maconha.Quixadá, no Ceará, e Picos, no Piauí, são outros municípios que registram problemas com o crack. Em Salvador, viciados que se concentram em cracolândias no centro histórico são chamados de sacizeiros, em referência ao cachimbo usado no consumo. "Em 2004, 25% da droga consumida no Recife era crack. Em 2006, chegou a 50%", diz José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco.É na Região Sul, no entanto, que atualmente o problema aparece de forma mais dramática. No Paraná, três das cidades mais violentas do Brasil, Foz do Iguaçu, Guaíra e Curitiba, sofrem os efeitos da chegada do crack. Nas quatro principais maternidades de Porto Alegre, nasceram neste ano 117 crianças filhas de mães viciadas. A Secretaria de Saúde do Estado estima que existam atualmente 50 mil viciados na droga. "Duas coisas ajudaram essa disseminação pelo Brasil. Primeiramente, a natureza do produto, forte, barato e bem-aceito entre os mais pobres. Depois, a disseminação das rotas de cocaína para o Sul e o Centro-Oeste", afirma Fernando Francischini, secretário Antidrogas de Curitiba, ex- delegado da Polícia Federal responsável pela prisão do traficante Juan Carlos Ramirez Abadía.