sábado, 9 de fevereiro de 2008

"Governo paga a prostitutas!"

“Nosso herói” trabalhava há três meses no jornal. Sonhava cobrir o Congresso, morar em Brasília, ter uma coluna diária e um blogue. Mas, ele tinha que conferir todos os horários de cinema, teatro e, se os restaurantes aceitavam ou não, cartão de crédito. Naquele início de junho de 2008, a chuva e o frio que tinham começado em janeiro, só piorava. Ele é chamado pela chefia. Soube que seria uma viagem. Brasília? Rio? Ou a cobertura das eleições americanas? Ao entrar na sala do chefe, soube que cobriria a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Um choque para ele. A reunião seria em Curitiba – com chuva e frio – e, pior: a viagem seria em ônibus convencional à noite, para economizar uma diária para a empresa.
No primeiro dia de cobertura tentou ver o que seria “jornalístico”: aborto, células-tronco, transgênicos, biodiesel. Assistiu uma palestra sobre a economia americana e a emergência da China. Não entendeu nada. Escreveu o necessário para o jornal. Cansado, resolveu ir para o hotel. No saguão encontrou uma colega de curso médio que nunca "deu bola" para ele, mas que o convidou a jantar no próprio hotel porque tinha uma pauta interessante. Ela não parava de falar da lonomia. Lonomia? Sim, uma taturana. Desde quando taturanas são importantes, pensava? Mas, talvez o papo avançasse para algo melhor. Deu corda a ela, que imediatamente passou a contar o número de pessoas que se acidentaram com taturanas, como os cientistas descobriram o veneno e, depois disso um soro. Uma façanha e tanto, exclamava ela. Para ele, a conversa somente seria produtiva se terminasse no quarto de algum deles, mas em um piscar de olhos, chegou o marido dela, também biólogo, mas estudiosos de abelhas . Ele passou a explicar a ação da fosfolipase A e da melitina. Depois dessa, “nosso herói” pediu a conta. No elevador, junto com ele entraram uma brasileira e um americano. O gringo já um pouco alterado pela bebida exclamava: “Only Brazil, only Brazil! The government pays whores! The government pays whore! A brasileira concorda e emenda, "hustlers, hookers, prostitutes...”. O casal deixa o elevador e, o “nosso herói” descobre que tem “a” matéria. O governo brasileiro paga prostitutas! Corre para o quarto excitado e, começa a escrever o texto que seria com certeza manchete. Mas, logo surge a dúvida: que governo? federal? Do estado de São Paulo? Bem, nosso herói não tinha tempo a perder. Escreveu duas matérias: uma acusando o governo federal, outra o paulista. No meio da noite, achou assessores de imprensa de ambos governos que emitiram notas evasivas, entrevistou seis representantes de ONGs que se manifestaram sobre o assunto e, obviamente a OAB. Não conseguiu dormir. Imaginou o “imbróglio”: talvez, derrubasse Lula. Ou então, com certeza inviabilizaria qualquer pretensão política de Serra. A sua carreira estava definida. Imaginou o apelido da CPI, começou a cantarolar Cazuza... Já estava claro, desceu para o restaurante do hotel para conseguir a resposta fundamental. Teve sorte. Logo notou o americano e a brasileira voltando de um corrida, ambos suados. Faltava a pergunta básica: governo federal ou estadual. Ansioso, arremeteu-se na frente do casal e, disparou a pergunta em inglês e em português . Ela responde na lata: "vários órgãos de pesquisa federais e estaduais e, mesmo internacionais estão financiando pesquisas entre trabalhadoras do sexo para identificar práticas sexuais mais comuns, prevalência de infecções e, talvez para participar de testes para a vacina da a aids." "Nosso herói", engole em seco. Continuou ela, "para possibilitar a pesquisa torna-se necessário remunerar o entrevistado". Antes que “nosso herói” se recuperasse do golpe, o americano, em português perfeito emendou: "somente aqui, o governo tem essa preocupação com a saúde pública e com a ciência sem qualquer avaliação moral e sem preconceito. Tenho vergonha do “meu governo” que não aceita a menção a prostitutas. Mas, George W já vai tarde! " Nosso herói agradece, despede-se. Desolado, volta ao quarto. Dorme, não assiste nenhuma palestra.
No domingo, com chamada de capa, havia uma bela matéria sobre a rapidez como a ciência brasileira venceu o desafio das lonomias.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Venda de rins: médico indiano preso.

Já tratei aqui do tema "venda e compra de rins". Afirmei que somente com participação médica tal prática é possível. Hoje, o médico indiano Amit Kumar foi preso no Nepal acusado de ser o chefe do esquema que já comprou 500 rins naquele país. Há quatro proibiu-se lá, a venda de rins.
Leia o resumo abaixo e, o post abaixo que apresenta a situação atual do turismo médico.
Alguma relação entre essas notícias?
KATHMANDU, Nepal (CNN) -- The alleged mastermind of a kidney transplant scheme in India has admitted to his involvement in about 300 transplants over the last 12 to 13 years, police said Friday.Dr. Amit Kumar, smiling and with an apparent air of confidence, was paraded before reporters at the end of a news conference in which he declared his innocence. "I have not duped anyone. I have not done anything wrong," Kumar said before authorities whisked him away. "You know that." He was taken into custody Thursday evening in the Nepalese town of Saurah, about 95 miles (150 km) south of Kathmandu. Kumar was arrested by a special team of Kathmandu police and taken to a regional police station in Hetauda, Minister of State Ram Kumar Chaudhary said. Kumar appears handcuffed at police station » Amit Kumar is accused of coercing, stealing or buying kidneys from healthy Indians and then selling them to foreigners for transplant. Several doctors have been accused of taking part in the scheme, Chaudhary said. On Friday, authorities said Kumar will be charged in Nepal under the country's Foreign Exchange Regulation Act, which regulates the flow of international currency in the Asian nation. When arrested, Kumar was carrying approximately $256,000 in mixed currencies, including U.S. dollars, euros and a bank draft made out in Indian rupees. Authorities in Nepal will also look into whether he violated the country's Human Organ Transplantation Act. Inside the secret transplant operating room » If convicted of a currency violation, Kumar could be imprisoned up to four years. An additional five years could come from a violation Nepal's transplant law. Indian officials want him in connection with hundreds of kidney transplant cases. Since his arrest, India's Central Bureau of Investigation has contacted Nepalese officials requesting his extradition. "We are investigating the case and will charge him according to the laws of Nepal," Upendra Kanta Aryal, the police official in-charge of the investigation, told CNN. "Only after that the legal process for extradition to India will begin." Police in India have said that as many as 500 people may have each lost a kidney to the ring. Some told CNN they were forced to do so and not compensated. A 2004 law limits organ donation and transplantation in India to blood relatives and close family friends. No money may exchange hands

Turismo Médico: Gazeta Mercantil

A Gazeta Mercantil trouxe matéria do negócio que movimentará 60 bilhões de dólares entre 2012 e 2015. Segundo a reportagem, "países como India, Tailândia, Malásia e, mesmo Costa Rica já garantiram seu pedaço nessa fatia. Mas, não o Brasil". Recebemos 30 mil turistas de saúde contra 440 mil na Índia. Trezentos mil americanos deixaram seu país para tratamento fora.
Diz o artigo que a cirurgia bariátrica custa $ 25 mil nos Estados Unidos e, a metade no Brasil.
Segundo o Hospital Sírio Libanês, os estrangeiros mais frequentes são norte-americanos, paraguaios, angolanos, franceses, argentinos e alemães. As especialidades mais procuradas são oncologia, cardiologia, urologia, neurologia, ortopedia e cirurgia vascular.
Meu comentário: nada contra, a competição internacional obrigará melhorarias na "precária" qualidade de nossos "hospitais de ponta"(investimentos duvidosos em equipamento, desprezo pelos recursos humanso, leia-se enfermagem). Mas, sempre fica aquela dúvida: quando o estrangeiro não virá ao Brasil para usufruir os serviços gratuitos de alto custo como aids (já ocorre), transplante e cardiologia intervencional? Quando surgirá o agente de turismo médico que agenciará estrangeiros para os serviços SUS?? Paranóia? Espero que sim, somente paranóia.

Accord: the day after

Clique aqui para ler os comentários sobre o resultado do Accord. Ele foi apresentado em primeira mão nesse blogue. A imprensa repercutiu muito o estudo. Mal momento para os speakers da Big Pharma. Aguardem para breve, o surrado argumento que o Accord foi um estudo com limitações!!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Um erro de imprensa e a homenagem a um grande cientista

A indignação dos erros de imprensa no Brasil é diretamente proporcional à contrariedade ao projeto político-ideológico defendido pelo denunciante do equívoco. Jornalistas consideram que há somente "manipulação", nunca "erro". Ou seja, eles são sempre tecnicamente competentes, mesmo quando fazem traquinagens. Esse blogue não é um "media watcher", por isso não discutirá o tema "febre amarela", mas lembrará outro episódio envolvendo imprensa, ciência e medicina. Há quase dez anos (04 de maio de 98), The New York Times publicou reportagem da famosíssima Gina Kolata onde o também famosíssimo prêmio Nobel, James Watson afirmava que "em dois anos chegaremos à cura do câncer devido aos trabalhos de Judah Folkman". Folkman trabalhava no Children´s Hospital associado à Harvard Medical School. A reportagem saiu em um domingo e, durante toda a semana houve muitas reportagens de TV e, todas as revistas semanais do mundo, sim todas, repercutiram o fato na capa da semana seguinte. Eu morava em Boston, à época e, muitos dos especialistas em câncer não entendiam o que se passava, visto que não havia novidade alguma em uma das mais promissoras linhas de pesquisa em oncologia. Bem, como vimos nada aconteceu e, os efeitos das inúmeras reportagens foram muito ruins. Meu pai que estava com câncer terminal foi por mim alertado no mesmo domingo, em telefonema, antes do Fantástico. Porém, mundo afora inúmeros pacientes tiveram a falsa esperança de cura. Foi um erro imenso do The New York Times e de todos os demais jornalistas. Crédito somente para o Time que expressou na capa Hype or Hope? um trocadilho: Sensacionalismo ou Esperança? Médicos brasileiros que foram entrevistados sobre o tema chegaram a propor o Nobel para Folkman! Quase todos médicos quiseram se mostrar bem relacionados com um pesquisador tímido e recluso, que tinha poucos relacionamentos fora do círculo bostoniano.
Quem quiser conhecer melhor a história acima relatada, poderá ler o obituário de Judah Folkman, morto há menos de um mês. Uma homenagem a um grande cientista.

Business Week: Número necessário para tratar

A revista Business Week há três semanas lançou na capa matéria questionando a prescrição indiscrimina do Lipitor, a atorvastatina, da Pfizer para redução do colesterol. Há dois dias a matéria foi liberada na página da revista e, reproduzida aqui.
O mais importante do artigo é clicar na tabela que vem logo à frente para ler o NNT, ou number need to treatment, que em português continua sendo NNT, ou seja o número de pacientes que preciso tratar para que um evento seja prevenido.
Apesar das recomendações de acadêmicos, a maioria dos artigos não apresenta o NNT, somente a redução relativa obtida com o medicamento versus o placebo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Tratamento do diabetes em debate: estréia "Clínica e Epidemiologia"

Anunciou-se agora a suspensão do ensaio clínico em diabéticos, ACCORD.
NEJM publicou os resultados do Steno-2 realizado na Dinamarca.
O debate é muito interessante: o controle de glicemia é realmente o que vale para prevenir a doença cardiovascular no diabético tipo 2. Ou somente reduzir a pressão e elevar o HDL-colesterol já basta(m)?
Leia você mesmo, o resultado do Steno-2, o delineamento e a notícia de suspensão do Accord nas páginas de "Clínica e Epidemiologia".

WSJ: Big Pharma está sem candidato. Talvez, vá de Democratas

Big Pharma Not Fond of McCain’s Big Mo Posted by Joe Mantone Conventional wisdom holds that the pharmaceutical industry would prefer a Republican candidate for president over a Democratic one, but that may not prove the case for John McCain, even as he emerges as the GOP frontrunner. McCain opposes Big Pharma on two hotly contested issues: the re-importation of drugs from countries where they cost less and giving Medicare the clout to negotiate drug prices directly. McCain has long stumped for re-importation to save money. And he voted against the expansion of Medicare to include a drug benefit because it didn’t allow direct price negotiations by the government and because the program covers too many people. His health-care plan also calls for drug companies to reveal prices of their drugs and to develop a straightforward path for the creation of generic biologics, two other ideas that wouldn’t do much for the bottom line of the industry leaders. (For a Barack Obama-Hillary Clinton-McCain health care plan comparison, click here.) A look at the money trail shows that McCain is not the sector’s favorite horse in the race. The Center for Responsive Politics reports that McCain has received $39,797 in donations from pharmaceutical manufacturers. That puts him behind Obama ($154,710), Clinton ($140,544), Mitt Romney ($103,825), Rudy Giuliani ($91,550) and even Chris Dodd ($68,200) Who’s giving to McCain? The most generous group is the retired, with more than $5 million in donations. And who wants cheap drugs more than the retired? No. 2: Lawyers and law firms, which have given $2.5 million, according to the CRP. (No. 6 on the list are health professionals with $713,952 in contributions.)

12 mitos sobre atendimento a desastres

Quem não se lembra dos pedidos de envio de leite às vítimas de incêndio em São Paulo? E, dos remédios vencidos enviados sempre a flagelados em algum lugar do mundo? E, a vacinação em massa para varíola em uma inundação? Há muito mais do que isso no texto 12 mitos sobre atendimento a desastres de Michael VanRooyen, da Harvard School of Public Health.
Leia aqui.

de volta, feliz 2008

Há 18 meses iniciei esse blogue. O objetivo era modesto, se modéstia não for termo incompatível à blogosfera. Recebi apoio de vários outros blogueiros que aumentaram a audiência e, tenho leitores fiéis na casa de duas centenas. Ao contrário, da blogosfera política, os leitores são civilizados e, na maioria enviam mensagens por email com críticas e sugestões. A avaliação desse período mostrou que fui um dos primeiros a mostrar a importância dos programas de saúde nas eleições americanas, a apresentar a absurda prisão de enfermeiras búlgaras na Líbia, a mostrar que a queda de homicídios é real e, reproduzir o noticiário de casos extremos, como o Avandia. Por outro lado, excedi um pouco em comentários sobre a política e entrei em questões pessoais. Claro, que estive há anos-luz de blogueiros que publicam foto de filhas, cadernos, relatos de filhas, netos e, discorrem sobre tudo e todos. Questões pessoais, definitivamente, são da esfera pessoal, por mais acaciano que seja essa afirmativa. O produto que continuarei a fazer é acadêmico, uma tentativa de traduzir a epidemiologia e a clínica, a outros setores que não os especialistas no assunto. Por isso, prescindirá de questões pessoais. Por último, cabe sempre insistir sobre o conflito de interesse. Minhas fontes de renda são o salário da Universidade, da bolsa do Conselho Nacional de Pesquisa e, de direitos autorais. Se, outra fonte surgir, os leitores saberão de imediato. Nesse ano, utilizarei o recurso Google Pages para permitir leitura mais dinâmica do blogue. Haverá comentários curtos com a ligação a textos longos. Em março, haverá uma página mais técnica denominada Clínica e Epidemiologia dirigida a profissionais, pesquisadores e estudantes das ciências da sáude.