sábado, 12 de agosto de 2006
A reposição hormonal masculina e o efeito placebo: o experimento de Brown-Sequard 100 anos depois.
Quem entrar em um avião da TAM receberá um jornal de bordo com uma propaganda interessante de um laboratório farmacêutico incentivando o diagnóstico de deficiência hormonal em homens. O propósito da propaganda é óbvio e, dispensa comentários. Interessante é lembrar o início da história da reposição hormonal, que tudo indica começou com homens no final do século XIX com Brown-Sequard.
Charles-Edouard Brown-Sequard (1817-1894) foi um médico eminente e professor consagrado que viveu e praticou a medicina e a docência nos Estados Unidos, Reino Unido e França. Uma síndrome que afeta o sistema nervoso (a hemi-secção da medula) recebe o seu nome. Brown-Sequard ficou famoso quando com 72 anos injetou-se com extrato retirado de testículos de animais (cães, cabritos) e, relatou a melhoria do estado geral. Começou então a fase moderna da reposição hormonal que perdurou durante décadas e, foi conhecida como a “organoterapia”. A sua descrição ficou famosa:
The day after the first subcutaneous injection, and still more after the two succeeding ones, a radical change took place in me . . . I had regained at least all the strength I possessed a good many years ago . . . My limbs, tested with a dynamometer, for a week before my trial and during the month following the first injection, showed a decided gain of strength . . . I have had a greater improvement with regard to the expulsion of fecal matters than in any other function . . . With regard to the facility of intellectual labour, which had diminished within the last few years, a return to my previous ordinary condition became quite manifest.( Brown-Séquard CE. Note on the effects produced on man by subcutaneous injections of a liquid obtained from the testicles of animals. Lancet 1889; 2: 105-107.)
Em 2002, pesquisadores australianos repetiram o experimento de Brown-Sequard e, constataram que a quantidade de testosterona nos extratos injetadas não superou 200 microgramas/dia enquanto que a secreção diária de testosterona é de 6mg/a e, os medicamentos de reposição para aqueles como hipofunção gonadal liberam de 5 a 10 mg/dia. Ou seja, mais uma demostração da força do efeito placebo.
O estudo australiano de Andrea J Cussons e colegas pode ser lido na íntegra em http://www.mja.com.au/public/issues/177_11_021202/cus10559_fm.html
NYT (13/08/06): a volta dos ensaios clínicos em prisioneiros.
O Institute of Medicine da National Academy of Sciences recomendou que ensaios clínicos de medicamentos voltassem a ser aplicados em prisioneiros para estudar doenças que afetassem especificamente a população carcerária com a hepatite C e o aids. Até os anos 70 quase 90% dos produtos farmacêuticos eram testados em prisioneiros até que as denúncias de abusos por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia na prisão de Holmesburg provocou a interdição dessa prática.
A motivação maior para a volta dessa prática foi a redução de voluntários, depois dos escândalos envolvendo anti-inflamatórios como Vioxx e Bextra, afirma a reportagem.
Uma afirmação adicional é o fato que a população prisional americana quadruplicou em 30 anos.
No Brasil, a experimentação em prisioneiros não é objeto específico de nenhuma das resoluções do Conselho Nacional de Pesquisa. Embora, fique claro que somente o Conselho poderá aprovar uma solicitação desse tipo por ser uma “população especial”.
O artigo de Ian Urbina no The New York Times pode ser lido na íntegra na página http://www.nytimes.com
História: O mecenato científico de Guinle
A Revista de História da Biblioteca Nacional (ano 1, número 10; maio-junho 2006) publica o artigo "O mecenato da cura" de Gisele Sanglard. Revela a participação dos proprietários da Companhia Docas de Santos Cândido Graffrée e Eduardo P. Guinle (esse seguido pelo filho Guilherme Guinle) no apoio à assistência médica e à pesquisa biológica. O contato com Carlos Chagas e Miguel Ozório de Almeida foi fundamental para as doações para um centro de referência em sífilis e por manter a Revista Brasileira de Biologia por quase duas décadas. Até uma "verba Guinle" existiu para pagamento de horas-extras, reparo de aparelhagem e compra de livros no então Instituto Oswaldo Cruz.
Para quem conheceu a família Guinle nos anos 60 somente nas colunas sociais e de fofoca fica a esperança de mudança de conduto daqueles que preferem o exibicionismo ao trabalho coletivo. O mecenato científico pode voltar de forma inteligente na forma de bolsas para alunos pobres e talentosos e, nas "venture enterprises".
Em tempo, Gisele Sanglard é doutora em história das ciências em saúde pela FIOCRUZ.
Deu no Estadão (12/08/06): Novas drogas pressionam gastos do governo.
Informação da própria diretora do Programa Nacional de DST-Aids do Ministério da Saúde: "os gastos estimados com remédios anti-retrovirais patenteados vão representar 81,6% de todo o gasto com medicamentos pagos pelo programa em 2006." Em 2002, os remédios protegidos por patente representavam 52,6% dos gastos do programa, informa a matéria que acrescenta que o orçamento do programa DST-Aids está sendo de R$1,3 bilhão em 2006. O interessante do artigo do Estadão é que " o aumento é atribuído à inclusão de um remédio de nova geração, o T20 para alguns pacientes".
Comentários: (1) o programa DST-Aids é um sucesso. Seus executores são competentes. Porém, há um outro contigente muito maior de brasileiros que mereceriam atenção equivalente nas políticas de apoio farmacêutico; (2) O Ministério da Saúde precisa ser muito rigoroso com as compras e com a negociação desses insumos. Não se pode admitir que um único ítem onere tanto um programa. O poder de compra do Ministério da Saúde é muito maior do que se imagina.
Editora de JAMA: uma vez mais os conflitos de interesse.
Tornou-se tradição, a exasperação e indignação dos editores das principais revistas médicas em relação à influência do poder econômico na medicina e nas políticas de saúde. Richard Horton do The Lancet, Georg Lundberg (ex JAMA), Marcia Angell (ex The New England Journal of Medicine) e, agora Catherine D DeAngelis do Journal of the American Medical Association) sempre se propuseram a aumentar a transparência na relação entre leitores e autores, principalmente na declaração de conflito de interesse econômico dos autores, a maioria com a indústria farmacêutica.
Catherine não aceita mais que os próprios autores indiquem se há ou não conflito de interesse, exige que todo e, qualquer apoio seja discriminado na apresentação de qualquer peça bibliográfica.
Chateada com um episódio, onde após questionamento da integridade da análise estatística de artigo apresentado ao JAMA, os autores retiraram o manuscrito do processo editorial de JAMA e, enviaram a outra revista (onde foi publicada com destaque), ela passa a propor um processo dentro das universidades e, também sanções àqueles que não apresentam de forma adequada os conflitos de interesse financeiros relativo às suas publicações com a criação de uma "lista negra" a ser compartilhada entres os editores.
O artigo completo é acessível no site do JAMA
The Influence of Money on Medical Science
Catherine D. DeAngelis, MD, MPH JAMA. 2006;296:
http://jama.ama-assn.org/cgi/content/full/296.8.jed60051
Um pouco de informação e discussão.
Amigos e leitores das revistas da Associação Paulista de Medicina com freqüência discutiam os editorias apresentados nessas publicações entre 1999 e 2005 assinados pelo autor desse blog. O Blog do Paulo Lotufo tem como objetivo continuar o debate saudável sobre temas relacionados a epidemiologia, medicina, saúde de forma ampla e, sem alinhamentos ideológicos ou corporativos. Nesse período eleitoral, todo o esforço possível será feito para evitar a contaminação desse espaço pela linguagem partidária que domina a blogosfera. Outro ponto crucial é o não alinhamento com qualquer corrente dentro do pensamento médico, biomédico ou sanitário. Muita informação e debate deverá ser a norma.
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