Na mais recente edição de Ciência e Saúde Coletiva, o professor Gastão Wagner da UNICAMP nos brinda com editorial e artigo soberbos sobre o Sistema Único de Saúde. Gastão consegue com brilho ser ao mesmo tempo acadêmico e administrador. Sua passagem pelo Ministério da Saúde foi exemplar pela correção e responsabilidade, tanto que foi demitido. O acesso dos texto é livre em http://www.scielo.br/csc. Abaixo reproduzo parte do editorial de Gastão Wagner.
Ótimo que Gastão tente mostrar as limitações do SUS. Apesar do enorme avanço (quem se lembra da cidade com Prefeitura, Estado, INAMPS, todos fazendo a mesma coisa?) e de ser a maior experiência de política de Estado em vigor (muito melhor do que a educação e segurança), há outros limitantes ao SUS que a militância política de Gastão não permite enxergar ou se as vê, minimiza-as. Destaco a formação de espírito de gueto, que confunde política de saúde com política partidária e a hiperideologização. A fobia e demonização dos médicos e dos hospitais. Isso sem comentar a ojeriza a qualquer coisa que possa ser considerada privada ou terceirizada. Como se parte das instituições de saúde não estivessem privatizadas por partidos, principalmente aquele no qual Gastão milita, sindicatos e, "senhores da guerra".
O SUS é um sistema público, descentralizado e com gestão participativa, mas é integrado por uma rede intricada de serviços e de servidores públicos, ainda que bastante penetrada por componentes da sociedade civil: conselheiros, prestadores, organizações não governamentais, opinião pública, etc. Boa parte das sugestões sobre como organizar e gerir esse sistema parte do discurso único - em decorrência, é pobre e reduzido de construir "agenda", "regulação" e "avaliação", na suposição de que com esses conceitos estaria dada a boa "governança". Infelizmente, esses termos tecnocráticos não dão conta da gestão de um sistema público, não privatizado, ainda que com interações importantes com entidades privadas. Faltam-nos elementos para a tarefa concreta de planejar e gerir diretamente uma rede complexa, falta-nos política de pessoal, falta-nos incorporar avaliação à gestão e falta-nos subordinar a avaliação aos objetivos e metas do sistema.
Falta um mundo de coisas! Falta pensar outra estrutura administrativa para o SUS: continuar a reforma política para dentro do Sistema, criar uma nova legislação sobre suas organizações e sobre o modo como poderiam se relacionar. Há o obstáculo do financiamento, há projetos pelo meio do caminho, mas, sobretudo, há, creio, uma falha entre nós, atores sociais, usuários, governantes e sujeitos ou vítimas desse processo: no fundo, no duro da batata, não pensamos e agimos como se o SUS fosse nosso espaço vital encarregado de co-produzir saúde. A classe média e as empresas fogem pela saúde suplementar; os governantes, para programas focais; a mídia, raramente nomeia o SUS: fala em fila, hospitais, entretanto ignora o sistema, sequer menciona o controle social e a gestão participativa; os pesquisadores são segmentados e empurrados para temas da moda: governança, avaliação, integralidade, promoção, humanização. Raramente logramos realizar alguma "meta-análise" que articule alhos com bugalhos.
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