O The New England Journal of Medicine publicou hoje os resultados do The International Early Lung Cancer Action Program Investigators , um estudo que realizou tomografia de tórax em 30 mil participantes que eram ex-fumantes ou com risco de câncer, diagnosticou câncer de pulmão em 484 participantes, dos quais 412 (85%) tinham a doença no estágio inicial e, a sobrevida em 10 anos estimadas foi de 88% nesse subgrupo. Entre os 302 participantes com estágio inicial que foram operados no primeiro mês de diagnóstico, a sobrevida subiu para 92%. Os 8 participants com doença na fase inicial que não receberam tratamento morreram dentro de 5 years depois do diagnóstico.
Comentário: o resultado desse estudo é esperado há muito tempo, depois do fracasso do rastreamento do câncer de pulmão por radiografia de tórax. Hoje, há verdadeira histeria pelo rastreamento de cânceres de crescimento lento e baixa letalidade e, verdadeiro desprezo em detectar o câncer que mais mata, o de pulmão. A proposta é de rastrear somente os ex-fumantes e fumantes passivos. Os fumantes atuais não devem ser submetidos e, sim tratados para cessar o vício. No caso da confirmação desses dados em outras pesquisas, estudos de custo-efetividade irão indicar o quanto e quando será adequado realizar rastreamento para câncer de pulmão. Conclusão, apesar de um ceticismo enorme em relação ao check up de uma forma geral, principalmente para câncer de próstata, adoto uma posição de otimismo cauteloso em relação à proposta de rastreamento com tomografia para ex-fumantes. Esse estudo dará muito o que falar.
O resumo do texto pode ser lido em http://www.nejm.org e, cópias do artigo original podem ser solicitadas à autora, Dra. Claudia Henschke em chensch@med.cornell.edu
Um comentário:
Este tipo de estudo é muito persuasivo e de conclusões facilmente deturpáveis.
Perceba-se bem o título do estudo – título cuidadosamente escolhido pelos autores: não se trata de estudo que avalia “a validade do rastreamento do câncer de pulmão em fumantes ou ex-fumantes”. Não. O estudo avalia “A sobrevida de pacientes com câncer de pulmão em estágio I que foram detectados em rastreamento.”
A diferença entre estas ambas formas de dar títulos às coisas está muito bem assinalada no editorial do mesmo fascículo (Unger M. A Pause, Progress, and Reassessment in Lung Cancer Screening. NEJM 2006; 355[17]: 1822-4):
Por não ser um estudo randomizado e controlado dá margem aos famosos viéses de rastreamento de cuja tradução nunca me lembro: lead-time bias e lenght time bias. Como não há um grupo controle, somente podemos comparar os resultados deste estudo com controles históricos, estratégia associada aos problemas já conhecidos por todos. Este tipo de rastreamento pode estar detectando uma maior proporção de tumores de comportamento biológico menos virulento – o que favorece a estatística de mortalidade. Este tipo de estudo pode estar somente detectando tumores de crescimento tão lento que não causariam morte ainda no tempo de acompanhamento do estudo, com ou sem cirurgia. Este tipo de estudo pode estar diagnosticando tumores que não iriam se manifestar em vida (“overdiagnosis”). A existência de tais possibilidades, que estudos deste tipo – sem randomização e controle - não conseguem avaliar, torna impossível se apreciar a questão da custo-efetividade do rastreamento do câncer de pulmão com a CT espiral de dose baixa. Ou seja, não conseguimos saber se o uso desse exame no check-up deve ou não ser feita. No momento, a resposta que me parece mais adequada é a de que não há evidências suficientes para o uso desse exame em exames de check-up. Nunca se esquecendo, entretanto de que a ausência de evidências não são evidências de ausência. Somente mais estudos no decurso do tempo – se o complexo médico-industrial-midiático permitir – poderão nos dar as respostas necessárias.
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