Como apresentado no post anterior, parece que o FDA está menos submisso aos interesses das indústrias farmacêuticas. Ontem (29/09/06), a agência denunciou a Bayer de não informar sobre estudo de segurança do medicamento Trasylol (aprotinina) em reunião realizada há uma semana para verificar a segurança do medicamento. A história é interessante. O tratamento do infarto do miocárdio implica em uso de trombolíticos e antiagregantes plaquetários, porém quando há indicação de cirurgia cardíaca há necessidade de ministrar um anti-fibrinolítico para evitar sangramentos. Há três medicamentos no mercado mundial, o ácido epsilon aminocaproico, o ácido tranexamico e a aprotinina. Os dois primeiros são análogos da lisina e a última substância um inibidor da protease com ações semelhantes e, preços bem distintos, inclusive no mercado brasileiro. O Trasylol é exclusividade Bayer. Em janeiro de 2006, The New England Journal of Medicine publicou estudo observacional comparando os três medicamentos com um grupo controle que mostrava risco maior de insuficiência renal, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral. Depois dessa publicação, o impacto foi grande e, obviamente a tentativa em desacreditar os autores foi grande, porém o FDA foi obrigado a fazer um painel a respeito do problema Trasylor que terminou com conclusão favorável ao uso do medicamento. Porém, ontem se revelou que a Bayer ocultou resultado em 65 mil pacientes, aparentemente com resultados apontando para risco maior para quem recebeu a medicação.
O texto básico - um estudo observacional - pode ser lido na íntegra na página http://www.nejm.org para leitores cadastrados gratuitamente.
Mangano DT et al The Risk Associated with Aprotinin in Cardiac Surgery. N Engl J Med 2006;354:353-65.
Um comentário:
Exmo. Sr. Dr. Paulo Lotufo;
Gostava apenas de acrescentar algo ao seu artigo e que está relacionado com o produto em questão.
O estudo observacional realizado pelo Dr. Mangano só foi posto em causa devido à fragilidade das suas conclusões, baseadas em fundamentos incorrectos. O facto de o estudo desenvolvido por este médico se basear em dados recolhidos de outros estudos que não pretendiam analisar o efeito do produto na função renal cria, desde logo, um ponto de partida frágil. Também o facto de a decisão de utilização do produto pertencer ao médico (cirurgião ou anestesista) que tem perante si o doente, não existindo por isso uma randomização do mesmo, favorece mais uma vez o "erro", uma vez que o Trasylol será logicamente utilizado nos doentes que têm maiores factores de risco de vir a sofrer hemorragias no periodo peri e pós-operatório. Sendo estes doentes de elevado risco, será fácil de presumir que serão também estes os doentes com maior probabilidade de terem logo à partida (antes da cirurgia) as suas funçoes (cardiaca, respiratória, renal...) alteradas. Uma vez que não existe o registo da funcionalidade dos orgãos dos doentes no periodo pré-operatório não será correcto tirar conclusões posteriores sem existir um termo de comparação. O estudo ideal envolveria doentes nas mesmas condições e do mesmo escalão de risco e em que nuns seria utilizado Trasylol e noutros não, com o devido registo pré e pós-operatório das suas funções, renal, cardiaca...Um outro exemplo é que se verifica um aumento da creatinina, aquando do seu doseamento no pós-operatório, mas também um aumento da clearance da mesma, o que significa que a função renal não está danificada, os rins estão apenas a eliminar uma substância que tem o seu valor aumentado no organismo. Refiro ainda que estes valores voltam ao normal passados entre 3 a 5 dias da operação. Finalmente, por muito que se queira e que gostassemos que tudo no mundo fosse previsivel, por vezes a matemática não serve para superar lacunas existentes nos estudos cientificos.
Com os meus sinceros e honestos cumprimentos,
Pedro M. M.
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