sábado, 14 de outubro de 2017

Em reformas

O blog estava suspenso desde 2009. 
Ainda aprendendo a acertar as novas configurações.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Platt vs. Pickering (Notas & Comentários 04. 27/09/2013)

Por quem os sinos dobram? Donne, um dos patronos da epidemiogia
Paulo A Lotufo, 27/09/2013.
John Donne, filósofo inglês (1572-1631) tem obra extensa onde se destaca  For Whom the Bells Tolls (Por quem os sinos dobram?) conhecida pelo livro homônimo de Ernest Hemingway e pela frase “nenhum homem é uma ilha” (*). A referência do título do poema de Donne eram os sinos batendo à saída do féretro da igreja. Um costume que existia no Brasil até os anos 60, ao menos.
Posteriormente, o sentido mais profundo dos poemas de Donne se materializou na obra de Emile Durkheim (1858-1917) – um dos fundadores da sociologia - com os conceitos de “fato social” e “consciente coletivo”. Na epidemiologia,   Geoffrey Rose desenvolveu corpo teórico onde se destacam dois artigos Strategy for Prevention: Lessons from Cardiovascular Diseases e Sick Individual and Sick Populations onde se materializa o paradigma da epidemiologia contemporânea (clique e leia os artigos). Vários autores identificam na obra de Rose, o conceito de Durkheim de “fato social”. Para quem cultiva o conhecimento sem rótulos, um debate médico como o já citado “Platt-Pickering” inspirou Rose a apresentar seus postulados dentro do “prescrito” na sociologia.
Em resumo: “mais relevante do que identificar indivíduo com fator de risco é mudar a posição da frequência de um determinado fator, como por exemplo a pressão arterial.  Abaixo, apresentam-se ilustração adaptada do livro de Rose (Strategy of Preventive Medicine) e, dados preliminares da distribuição da pressão arterial na linha de base do ELSA-Brasil  onde a  curva normal (bell curve) da pressão arterial em negros se encontra mais à direita do que a dos brancos.
Com a liberdade para o trocadilho sobre sinos reais e metafóricos, pode-se afirmar que os “sinos” de distribuição. de fatores de risco pertencem a todos, não somente da população em estudo. John Donne é um dos padrinhos da epidemiologia.

"For whom the bell tolls" "No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were: any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bells tolls; it tolls for thee." John Donne












Hipertensão não é Doença! (Notas & Comentários 3; 29/09/2013)

A frase pode ser novidade para alguns, mas não deveria. Nos anos 1950/60 se instalou um dos debates mais interessantes na medicina que se refletira de forma extremamente sólida na epidemiologia contemporânea. Robert Platt e George Pickering eram médicos britânicos. O primeiro presidente do Royal College of Physicians, o segundo Regius Professor of Oxford (um antecessor seu foi William Osler e o seu sucessor foi Richard Doll).
Platt defendia a idéia da hereditariedade da hipertensão, de tal forma que existiriam dois tipos de indivíduos, os hipertensos e o normotensos, ou seja seria uma distribuição bimodal.
Pickering visualizou uma situação bem diferente, a de que a pressão arterial é um contínuo e quanto maior for o seu valor, maior será o risco. Em oposição, quanto menor o valor pressórico, menor o risco cardiovascular
Essa polêmica se estendeu por anos. No início a posição de Platt prevalecia na comunidade científica. Posteriormente, os primeiros resultados de estudos de coorte como Framingham Heart Study e dos primeiros ensaios clínicos com hipertensos mostraram que Pickering tinha toda razão ao considerar que havia um continuum de risco. Em 1955 ele critica tanto o conceito existente (defendido por Platt) como a formação do vocábulo “hipertensão”.
Escreveu Pickering: Hypertension – not a well chosen word, a bastard of Greek and Latin parentage and signifying not high blood pressure but over-much stretching. The use of the term has lead to the practice of distinguishing between normal pressure and hypertension, and thus by easy stages to the assumption that those subjects with hypertension differ qualitatively from the rest of mankind.
O conceito de risco contínuo em relação a pressão arterial e níveis de colesterol persiste e se consolida. Até hoje não sabemos qual seria o valor mínimo de pressão arterial ou de colesterol que elevaria o risco cardiovascular ou da mortalidade geral.

Na figura abaixo sintetiza-se a polêmica “Platt-Pickering”.

Fator de Risco não é Doença. (Notas & Comentários 2; 23/9/2013)

Em todos os projetos de pesquisa ou de manuscritos há sempre preocupação (como sinônimo de aflição, angústia, ansiedade, apreensão) com a “estatística”. Sem dúvida, o manuseamento dos dados é relevante para provar ou refutar a hipótese formulada. Em oposição, há despreocupação (como sinônimo de displicência) no uso de informações oriundas de questionário. Parte-se do princípio que todas as respostas em questionário têm a verossimilhança similar ao de “sexo” ou “data de nascimento”. Na maioria das vezes, as respostas aos quesitos sejam positivas ou  negativas não são se referem a um objeto único. Inevitavelmente, precisam ser analisadas caso a caso com o mesmo rigor que ao escolher um teste estatístico. Um primeiro tópico de discussão é o uso dasvariáveis “História Médica Pregressa” na base do ELSA-Brasil.
(1) Objetivo do HMPA não é o de um inquérito de morbidade. A organização e disposição das perguntas tiveram como objetivo ter informação de diagnóstico médico prévio com a finalidade de excluir os participantes com resposta positiva na avaliação longitudinal. Em outros termos, essas perguntas não foram organizadas como em inquérito de morbidade específico (embora comparado a alguns inquéritos, a qualidade do HMPA é superior). Uma causa da confusão identificada nas submissões de manuscritos é a interpretação por parte de proponentes de manuscrito do significado de que a informação “confirmada por médico”. Há uma diferença sutil entre a resposta positiva a um quesito como “colesterol alto” (HMPA8), por exemplo, e o que se entende por “diagnóstico médico” no sentido de presença (ou ausência) de doença a partir de queixa ou sintoma, como por exemplo o infarto agudo do miocárdio (IAM), o HMPA10.

(2) Fator de risco não é doença. Doença e fator de risco são categorias distintas. Fatores de risco são variáveis contínuas (não necessariamente lineares). Doenças são variáveis categóricas (não necessariamente dicotômicas, mas ordinais). Fator de risco e doença não podem ser somados em um novo conjunto, como “doença crônica”. A diferenciação entre doença e fator de risco pode ser ilustrada pela forma como o momento do diagnóstico ocorre. O IAM foi um fato marcante para o participante (dor intensa, vômitos, transporte, atendimento em emergência, internação em terapia intensiva, exames com intervenção e até cirurgia) de tal forma que ele se lembra do que fazia no momento do início da dor. O diagnóstico de infarto do miocárdio ocorre a partir de um quadro clínico bem definido acompanhado de mais de um exame realizado de forma sequencial. Embora existam exames mais sensíveis quando comparado aos de 30 atrás, o quadro clínico de IAM persiste o mesmo. A consequência do IAM pode ser morte por arritmia ou insuficiência cardíaca. O diagnóstico de IAM dependerá da qualidade do atendimento médico e, na maioria das vezes o paciente terá ciência do diagnóstico até com documentação de exames. Em oposição, o diagnóstico de “colesterol alto” pode ter sido motivado pelo calendário. Imaginem uma pessoa que realizou um exame uma semana antes de uma nova diretriz sobre dislipidemia onde se decidiu pela redução do ponto de corte do nível de colesterol elevado. Esse participante poderá ter dormido saudável e acordado “doente”! Se o IAM é diagnosticado com uma constelação de informações, a informação sobre “colesterol alto” tem precisão baixa porque pode se referir ao colesterol total, LDL, triglicérides (esse colhido sem jejum em alguns momentos). A discordância entre médicos sobre o diagnóstico de IAM no momento do atendimento é praticamente desprezível quando comparado a duas situações de discordância médica. A primeira entre dois médicos ao avaliar um mesmo paciente com colesterol elevado. A segunda, a de um mesmo médico ao se comportar de forma diferente com dois pacientes que tem valores numéricos iguais de colesterol. Apesar da proliferação de diretrizes sobre o tema colesterol, a sua interpretação não é unânime mesmo entre os proponentes. 
Polemizar sobre “regressão logística” versus “regressão de Poisson” é importante, mas distinguir doença de fator de risco é absolutamente fundamental

Notas & Comentários (20/09/2013)

Em algumas proposições de manuscritos ao PubliELSA nota-se a ausência de hipótese a ser testada onde há somente descrição de variáveis de forma muito genérica. Os artigos descritivos acordados previamente têm como objetivo mostrar padrões, curvas de frequência ou nomogramas. Aí se incluem os valores laboratoriais, a descrição do IMT, da função renal, entre outros exemplos. Outra opção adotada foi descrever situações específicas como a de prevalência/conhecimento/tratamento/controle da pressão arterial. Desde o início reconhece-se que esse tipo de investigação é limitado. Por não ter hipótese científica a ser testada os resultados não serão atrativos para publicação. O motivo é que são propostas alienadas do debate contemporâneo. De certa forma, a caricatura do Random Medical News (ver abaixo) está se repetindo com agravantes porque (1) ainda não temos desfechos, o que tornam algumas proposições apresentadas desnecessárias; (2) devido ao tamanho da nossa amostra ser grande há chance de serem descritas diferenças estatisticamente significativas, mas sem qualquer significado clínico-epidemiológico. No famoso livro de Umberto Eco “Como se faz uma tese” (ed. Perspectiva) em um parágrafo o autor italiano sintetiza o drama da elaboração do projeto científico com um exemplo interessante. Escreveu Eco:

O tema Geologia, por exemplo, é muito amplo. Vulcanologia, como tema daquela disciplina, é também bastante abrangente. Os vulcões do México poderiam ser tratados num exercício bom, porém um tantosuperficial. Limitando-se ainda mais o assunto, teríamos um estudo mais valioso: A história do Popocatepetl(que um dos companheiros de Cortez deve ter escalado em 1519 e que só teve erupção violenta em 1702).Tema mais restrito, que diz respeito a um menor número de anos, seria “o nascimento e a morte aparente doParicutin (de 20 de fevereiro de 1943 a 4 de março de 1952)”. Aconselharia o último tema. Mas desde que, a esse ponto, o candidato diga tudo o que for possível sobre o maldito vulcão.

De volta

Nas próximas semanas vou restabelecer a regularidade do blog cessada desde 2009.
Antes disso vou me adaptar às novas facilidades do programa.