“Nosso herói” trabalhava há três meses no jornal. Sonhava cobrir o Congresso, morar em Brasília, ter uma coluna diária e um blogue. Mas, ele tinha que conferir todos os horários de cinema, teatro e, se os restaurantes aceitavam ou não, cartão de crédito. Naquele início de junho de 2008, a chuva e o frio que tinham começado em janeiro, só piorava. Ele é chamado pela chefia. Soube que seria uma viagem. Brasília? Rio? Ou a cobertura das eleições americanas? Ao entrar na sala do chefe, soube que cobriria a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Um choque para ele. A reunião seria em Curitiba – com chuva e frio – e, pior: a viagem seria em ônibus convencional à noite, para economizar uma diária para a empresa.
No primeiro dia de cobertura tentou ver o que seria “jornalístico”: aborto, células-tronco, transgênicos, biodiesel. Assistiu uma palestra sobre a economia americana e a emergência da China. Não entendeu nada. Escreveu o necessário para o jornal. Cansado, resolveu ir para o hotel. No saguão encontrou uma colega de curso médio que nunca "deu bola" para ele, mas que o convidou a jantar no próprio hotel porque tinha uma pauta interessante. Ela não parava de falar da lonomia. Lonomia? Sim, uma taturana. Desde quando taturanas são importantes, pensava? Mas, talvez o papo avançasse para algo melhor. Deu corda a ela, que imediatamente passou a contar o número de pessoas que se acidentaram com taturanas, como os cientistas descobriram o veneno e, depois disso um soro. Uma façanha e tanto, exclamava ela. Para ele, a conversa somente seria produtiva se terminasse no quarto de algum deles, mas em um piscar de olhos, chegou o marido dela, também biólogo, mas estudiosos de abelhas . Ele passou a explicar a ação da fosfolipase A e da melitina. Depois dessa, “nosso herói” pediu a conta.
No elevador, junto com ele entraram uma brasileira e um americano. O gringo já um pouco alterado pela bebida exclamava: “Only Brazil, only Brazil! The government pays whores! The government pays whore! A brasileira concorda e emenda, "hustlers, hookers, prostitutes...”. O casal deixa o elevador e, o “nosso herói” descobre que tem “a” matéria. O governo brasileiro paga prostitutas!
Corre para o quarto excitado e, começa a escrever o texto que seria com certeza manchete. Mas, logo surge a dúvida: que governo? federal? Do estado de São Paulo? Bem, nosso herói não tinha tempo a perder. Escreveu duas matérias: uma acusando o governo federal, outra o paulista. No meio da noite, achou assessores de imprensa de ambos governos que emitiram notas evasivas, entrevistou seis representantes de ONGs que se manifestaram sobre o assunto e, obviamente a OAB. Não conseguiu dormir. Imaginou o “imbróglio”: talvez, derrubasse Lula. Ou então, com certeza inviabilizaria qualquer pretensão política de Serra. A sua carreira estava definida. Imaginou o apelido da CPI, começou a cantarolar Cazuza...
Já estava claro, desceu para o restaurante do hotel para conseguir a resposta fundamental. Teve sorte. Logo notou o americano e a brasileira voltando de um corrida, ambos suados. Faltava a pergunta básica: governo federal ou estadual. Ansioso, arremeteu-se na frente do casal e, disparou a pergunta em inglês e em português . Ela responde na lata: "vários órgãos de pesquisa federais e estaduais e, mesmo internacionais estão financiando pesquisas entre trabalhadoras do sexo para identificar práticas sexuais mais comuns, prevalência de infecções e, talvez para participar de testes para a vacina da a aids." "Nosso herói", engole em seco. Continuou ela, "para possibilitar a pesquisa torna-se necessário remunerar o entrevistado". Antes que “nosso herói” se recuperasse do golpe, o americano, em português perfeito emendou: "somente aqui, o governo tem essa preocupação com a saúde pública e com a ciência sem qualquer avaliação moral e sem preconceito. Tenho vergonha do “meu governo” que não aceita a menção a prostitutas. Mas, George W já vai tarde! "
Nosso herói agradece, despede-se. Desolado, volta ao quarto. Dorme, não assiste nenhuma palestra.
No domingo, com chamada de capa, havia uma bela matéria sobre a rapidez como a ciência brasileira venceu o desafio das lonomias.
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