quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Fator de Risco não é Doença. (Notas & Comentários 2; 23/9/2013)

Em todos os projetos de pesquisa ou de manuscritos há sempre preocupação (como sinônimo de aflição, angústia, ansiedade, apreensão) com a “estatística”. Sem dúvida, o manuseamento dos dados é relevante para provar ou refutar a hipótese formulada. Em oposição, há despreocupação (como sinônimo de displicência) no uso de informações oriundas de questionário. Parte-se do princípio que todas as respostas em questionário têm a verossimilhança similar ao de “sexo” ou “data de nascimento”. Na maioria das vezes, as respostas aos quesitos sejam positivas ou  negativas não são se referem a um objeto único. Inevitavelmente, precisam ser analisadas caso a caso com o mesmo rigor que ao escolher um teste estatístico. Um primeiro tópico de discussão é o uso dasvariáveis “História Médica Pregressa” na base do ELSA-Brasil.
(1) Objetivo do HMPA não é o de um inquérito de morbidade. A organização e disposição das perguntas tiveram como objetivo ter informação de diagnóstico médico prévio com a finalidade de excluir os participantes com resposta positiva na avaliação longitudinal. Em outros termos, essas perguntas não foram organizadas como em inquérito de morbidade específico (embora comparado a alguns inquéritos, a qualidade do HMPA é superior). Uma causa da confusão identificada nas submissões de manuscritos é a interpretação por parte de proponentes de manuscrito do significado de que a informação “confirmada por médico”. Há uma diferença sutil entre a resposta positiva a um quesito como “colesterol alto” (HMPA8), por exemplo, e o que se entende por “diagnóstico médico” no sentido de presença (ou ausência) de doença a partir de queixa ou sintoma, como por exemplo o infarto agudo do miocárdio (IAM), o HMPA10.

(2) Fator de risco não é doença. Doença e fator de risco são categorias distintas. Fatores de risco são variáveis contínuas (não necessariamente lineares). Doenças são variáveis categóricas (não necessariamente dicotômicas, mas ordinais). Fator de risco e doença não podem ser somados em um novo conjunto, como “doença crônica”. A diferenciação entre doença e fator de risco pode ser ilustrada pela forma como o momento do diagnóstico ocorre. O IAM foi um fato marcante para o participante (dor intensa, vômitos, transporte, atendimento em emergência, internação em terapia intensiva, exames com intervenção e até cirurgia) de tal forma que ele se lembra do que fazia no momento do início da dor. O diagnóstico de infarto do miocárdio ocorre a partir de um quadro clínico bem definido acompanhado de mais de um exame realizado de forma sequencial. Embora existam exames mais sensíveis quando comparado aos de 30 atrás, o quadro clínico de IAM persiste o mesmo. A consequência do IAM pode ser morte por arritmia ou insuficiência cardíaca. O diagnóstico de IAM dependerá da qualidade do atendimento médico e, na maioria das vezes o paciente terá ciência do diagnóstico até com documentação de exames. Em oposição, o diagnóstico de “colesterol alto” pode ter sido motivado pelo calendário. Imaginem uma pessoa que realizou um exame uma semana antes de uma nova diretriz sobre dislipidemia onde se decidiu pela redução do ponto de corte do nível de colesterol elevado. Esse participante poderá ter dormido saudável e acordado “doente”! Se o IAM é diagnosticado com uma constelação de informações, a informação sobre “colesterol alto” tem precisão baixa porque pode se referir ao colesterol total, LDL, triglicérides (esse colhido sem jejum em alguns momentos). A discordância entre médicos sobre o diagnóstico de IAM no momento do atendimento é praticamente desprezível quando comparado a duas situações de discordância médica. A primeira entre dois médicos ao avaliar um mesmo paciente com colesterol elevado. A segunda, a de um mesmo médico ao se comportar de forma diferente com dois pacientes que tem valores numéricos iguais de colesterol. Apesar da proliferação de diretrizes sobre o tema colesterol, a sua interpretação não é unânime mesmo entre os proponentes. 
Polemizar sobre “regressão logística” versus “regressão de Poisson” é importante, mas distinguir doença de fator de risco é absolutamente fundamental

Nenhum comentário: