sábado, 26 de julho de 2008

Uma crônica com pitada epidemiológica explicando a obesidade

Para quem está afeito ao rigor de citações e das evidências de estudos observacionais e de ensaios clínicos, há momentos em que a única resposta convincente a uma pergunta é oriunda das suas reminiscências de infância e juventude. O questionamento que faço como epidemiologista é o seguinte: como as populações vão se tornando cada vez mais obesas? (Rigorosamente: por que há aumento da mé-dia populacional do índice de massa corpóreo no Brasil?) Apesar de já ter decorado todos os dados dos ENDEFs, PNSNs e PPVs brasileiros, além das versões dos NHANEs americanos, a explicação mais convicente vem ainda das memórias do bairro do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Famoso por abrigar o córrego de onde se ouviu um brado retumbante há quase 180 anos, o Ipiranga localiza-se na região sudeste da cidade encostado com a Moóca e as cidades do ABC. Pouco habitado até o início do século XX, tornou-se um dos pólos industriais da então São Paulo de Piratininga. Primeiro as indústrias têx-teis, depois a metalurgia, incluindo o primeiro automóvel montado na rua Vemag. Tantas indústrias estavam instaladas no bairro, que o bonde que se dirigia para a região tinha o nome de “Fábrica”, nome também adotado pelas linhas de ônibus até os anos 80. Bem, foi nesse bairro, onde nasci em 1957, em uma rua com paralepídedos, sem iluminação, em uma casa geminada sem garagem... Tal como boa parte da cidade, o bairro está localizado em um terreno acidentado, isto é, a quantidade de ladeiras é bem grande, sendo poucos os locais planos, a maioria deles nas várzeas dos rios, o que tornava os moradores daquele pedaço sujeitos a inundações de suas casas. O número elevado de fábricas garantia emprego a muito moradores, porém boa parte deles necessitava se locomover, principalmente para a “Cidade”, isto é, o Centro. Aí talvez comece a nossa história. Havia nos anos 50 e 60 quatro formas de condução acessíveis: o trólebus na parte alta do bairro, o ônibus a diesel na parte central, o bonde na parte baixa e o subúrbio da Santos-Jundiaí na várzea dos rios.Todas elas eram radiais, isto é, dirigiam-se ao Centro da Cidade. Não havia comunicação dentro do bairro ou com bairros vizinhos, como a Moóca. Por isso, talvez venha ai minha primeira lembrança que mereça destaque nessa revista: como as pessoas andavam naquelas ruas! Desciam e subiam as ladeiras do bairro o tempo inteiro! Bem criança, lembro o périplo intenso de pessoas andando o tempo todo, descendo para o bonde ou subindo para o tróleibus. Havia somente uma exceção: aos domingos, quando toda a família precisa se locomover, utilizava-se então os táxis pretos Ford e Chevrolet. Fora disso, somente andando muito para alcançar a condução. Carro, poucos tinham, por isso não se justificavam casas com garagem. As ruas do bairro eram calçadas, o trânsito era pequeno, “violência”‘ era confundida com algum mendigo perambulante ou bêbados discutindo futebol, ou com ciganos que “roubavam criancinhas”. Assim, as ruas eram ocupadas todas as tardes e inícios de noite pelas crianças com inúmeros jogos de futebol, taco, carrinhos de rolemã, além de pipas, peões e outros jogos. Aos mais crescidos, podia-se oferecer futebol, basquete ou outros esportes nas escolas do bairro que ficavam abertas aos sábados à tarde. Aos adultos, o futebol no sábado à tarde e no domingo de manhã nos campos de várzea (apesar de ficarem no alto da colina) do Sinclair era sagrado. O domínio do espaço público era grande pelos moradores, vide o mês de junho, onde a cada dia uma quadra do bairro era fechada pelas festas caipiras. Evidente o meu interesse em destacar que o Agita São Paulo seria, na época, coisa muito estranha para aqueles habitantes que anda-vam muito e tinham muita dificuldade em adquir ou mesmo assistir a um programa de televisão. Talvez de maior interesse seja agora lembrar a forma como nos alimentávamos na época. Não havia quem não tivesse a caderneta da vendinha ou do açou-gue. Já um pouco crescido, com freqüência era incumbido das deman-das maternas para a compra de algo na vendinha da esquina. Lembro que quase tudo era vendido a granel: arroz, feijão, óleo, bolachas, tudo… A feira livre era imensa, porém ficava muito longe de casa, minha mãe se esfalfelava para voltar da feira com o carrinho cheio. Aos sábados íamos à cooperativa da fábrica onde meu pai trabalhava para comprar maiores quantidades a preço mais baixo. Os restaurantes não existiam, exceto uma ou outra pizzaria, exclusiva para os sábados à noite. Interessantes eram as casas de aves ou de animais onde se escolhia o frango a ser abatido (segundo meu avô, deveria ser sempre escolhido a frango mais agitado e esperto). Mais interessante ainda era lembrar a quantidade de animais nos quintais: porcos, cabritos e perus. No Natal e na Páscoa, existiam aqueles que alugavam o quintal para animais de terceiros e também uma figura popular muito procurada, o megarefe, o abatedor desses animais. O país muda, a cidade se transforma e temos muitas novidades. Primeiro, o carro. Que festa era quando o pai aparecia com o primeiro fusca. Depois, chegou um supermercado com alimentos com rótulos vendidos em pacotes bem embalados, seguidos de lanchonetes com a novidade da rua Augusta: o hambúrguer e o hot dog! O tempo passa e surgem as rotisserias com alimentos prontos e as casas de aves vão diminuindo e se tranformando em açougues e, no futuro, em lojas de alimentos congelados. Os campos de futebol vão dando lugar a prédios de apartamentos e, também, a garagens para os carros. O trânsito de automóveis aumenta e espanta as crianças das ruas, a qualidade dos programas de televisão melhora atraindo mais gente para assistir a grande novidade da TV colorida. As esco-las fecham suas quadras para evitar sei lá o quê. Esta foi a transição demográfica que vivi. A epidemiológica não consiguiria mostrar, embora fosse um frequentador da sala de inalação do Pronto-Socorro Municipal. Ouvia muito falar em tifo, escarlatina e reumatismo. Sarampo, catapora, rubéola e caxumba eram doenças normais que todas as crianças necessitavam ter para desenvolver imunidade. Violência? Bem, lembro somente de furtos de casas, porém até meados dos anos 70 era comum jovens nas ruas conversando até altas horas. Como todas reminiscências, estas estão sujeitas aos desvãos da memória. Por mais que evite não supervalorizar as qualidades desse período... e lembro-me do quão duro deveria ser viver naquele tempo em que o banheiro ficava no quintal em várias casas, e quanto era difícil a condição da mulher na administração da casa. Já se disse que cantando a sua aldeia, descreve-se o mundo. Não sei se consegui. Porém, por uns tempos deixo o rigor do estudo epidemiológico para lembrar a infância e juventude. Não sei se respondi porque as populações estão ficando mais obesas, porém acho que estou mais perto da verdade do que alguns “Pês” menores do que 0,05 publicado na revista da ABESO (agosto de 2002)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

A oficialização do "complexo médico-industrial-midiático"

O termo complexo médico-industrial-midiático foi criado por mim há cinco anos. Agora, oficializa-se nesse evento em Chicago descrito no post do The Wall Street Journal.
Drugmakers Fund Journalism Group Posted by David Armstrong Doctors and medical associations have taken plenty of lumps for relying on drug companies to sponsor continuing medical education courses. Critics say the sessions are often biased in favor of a particular medicine or drugs over alternative treatments for disease. Corporate sponsors abound at the Unity meeting of journalists at Chicago’s McCormick Place Now add journalists to the groups that are getting professional education subsidized by Big Pharma. At the Unity convention in Chicago -– a gathering of thousands of minority journalists -– the diabetes drug maker Novo Nordisk sponsored a lunch yesterday called, “The Diabetes Explosion: A Call to Action for Journalists of Color.” The panelists included doctors from Harvard, Johns Hopkins and the National Institutes of Health, as well as some journalists. Billed as a “Lunch ‘n’ Learn Event,” the promotional material for the session invited attendees to hear from “distinguished experts in diabetes” about the disproportionate effect of type 2 diabetes on people of color and “how journalism can be used to help combat this disease.” An Phan, a spokeswoman for Novo Nordisk, said 274 journalists showed up for the lunch. She said the company selected the speakers and “set the agenda” for what the panelists should talk about, but that the panelists came up with their own presentations. There was no discussion of brand-name drugs, she said, or any effort to promote Novo Nordisk products. She said the lunch was the first time the company had sponsored such an event for journalists. A spokesman for Unity, which takes place every four years, wasn’t immediately available for comment. For comparison’s sake, the Association of Health Care Journalists doesn’t accept funds from manufacturers of health-care products, including drugs and medical devices. Novo isn’t the only pharmaceutical company making a financial contribution to Unity. Eli Lilly is a bronze sponsor of the event. The list of sponsors goes beyond drugmakers and includes McDonald’s and embattled government mortgage giant Freddie Mac, which is underwriting a panel called “Starting out in Business Journalism.”

Novamente, para os adeptos da "falência da saúde pública"

Hoje, no editorial do The Lancet : Nevertheless, Latin America has a much better infrastructure than Africa and a record of large publichealth successes. Brazil, with its courageous drug policies, has made universal access to antiretroviral drugs a reality. Since the 1990s, the number of Brazilians dying from AIDS-related illnesses has fallen by 50%. The antiretroviral programme currently reaches 80% of the infected population, which is similar to the coverage in wealthier, more developed nations.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Nova forma de estimular a pesquisa na Big Pharma

A Big Pharma quando quer sabe inovar e dar a volta por cima. A maior delas, depois do tombo provocado pela Avandia. Agora estão estimulando a iniciativa de investigadores com capital da própria empresa. Isso mostra que o estímulo é para a biotecnologia, onde o pesquisador em pequenos laboratórios consegue resultados melhor do que aquele obtido em projetos grandes e custosos. Outra notícia é que a Glaxo está repassando sua linha de genérico em vários países para uma empresa sulafricana. Mais um dado mostrando que a química fina já era como o centro da atividade da indústria farmacêutica. Um ponto a ser muito bem debatido.
Three Big Moves for Glaxo.Posted by Jacob Goldstein Andrew Witty, GlaxoSmithKline’s new CEO, is starting to shake things up. A few key moves announced in the past day:A panel including a venture capitalist and the CEO of a biotech company will decide how to parcel out $1 billion a year in funding to Glaxo researchers, the Financial Times reports. “This will be analogous to a university spin-out going to a venture capitalist, and having to answer the questions of whether their strategy stacks up with the market place and is the team the right one to deliver,” Witty told the FT. Research teams will also be split into smaller units of five to 80 scientists.

International Journal of Epidemiology: Latin America issue

O International Journal of Epidemiology lançou edição dedicada a temas de pesquisadores latino-americanos, a maioria brasileiros.
Vale a pena ler, principalmente a apresentação de Carlos Chagas como o primeiro grande epidemiologista brasileiro.
Os resumos podem ser acessados aqui e os textos podem ser solictados aos autores nos emails que seguem ao resumo.
Há muito "pano para manga".

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A química fina é commodity

Uma notícia abaixo aparentemente sem interesse. Mas, a prova que a química fina é agora commodity. A biotecnologia chegou para ficar com grandes vantagens e custos maiores ainda. Algumas empresas perceberam, outras irão sucumbir ou entrar no mercado de genéricos. Roche Bid Blindsided Genentech By Jeanne Whalen, Dana Cimilluca and Marilyn Chase Roche Holding AG's $44 billion bid to gain full ownership of Genentech Inc. took the staunchly independent biotechnology company by surprise and risks upsetting the highly successful -- but delicate -- relationship the partners have developed over two decades. Genentech's top management maintained public silence Monday after Roche, which already controls roughly 56% of the San Francisco company, unveiled its offer for the remaining shares. But Genentech employees expressed concern about the proposed takeover's impact on Genentech's culture and identity. "It was so sudden," said Napoleone Ferrara, a Genentech fellow and 20-year veteran who

domingo, 20 de julho de 2008

Talvez o único ato bom de George W.

Ao que parece foi o único ato realmente relevante da gestão George W: o apoio aos programas de aids, tuberculose e malária na África. Mas, não ficaria surpreso se, a quase totalidade, não for para pagamento dos medicamentos da Big Pharma americana. Senate Passes AIDS Prevention Bill Associated Press WASHINGTON -- The Senate voted Wednesday to triple spending for a much-acclaimed program that has treated and protected millions in Africa and elsewhere from the scourges of AIDS, malaria and tuberculosis. The 80-16 vote committed the U.S. to spending up to $48 billion over the next five years for the most ambitious foreign public health program ever launched by the U.S.. The legislation would replace and expand the current $15 billion act that President Bush championed in a State of the Union address and Congress passed in 2003. That act expires at the end of September.

Assistência Médica para Centenários

The New York Times relata vários exemplos da assistência médica aos muito idosos, os centenários. Como é uma sequência de experiências, não será possível transcrever na totalidade. A leitura é obrigatória a todos que querem entender porque o custo da assistência médica aumenta em todos os lugares do planeta, exceto aqueles onde o desprezo pelo ser humano é total como no Sudão.