sábado, 30 de setembro de 2006

Bayer nega informação ao FDA: o caso Trasylol

Como apresentado no post anterior, parece que o FDA está menos submisso aos interesses das indústrias farmacêuticas. Ontem (29/09/06), a agência denunciou a Bayer de não informar sobre estudo de segurança do medicamento Trasylol (aprotinina) em reunião realizada há uma semana para verificar a segurança do medicamento. A história é interessante. O tratamento do infarto do miocárdio implica em uso de trombolíticos e antiagregantes plaquetários, porém quando há indicação de cirurgia cardíaca há necessidade de ministrar um anti-fibrinolítico para evitar sangramentos. Há três medicamentos no mercado mundial, o ácido epsilon aminocaproico, o ácido tranexamico e a aprotinina. Os dois primeiros são análogos da lisina e a última substância um inibidor da protease com ações semelhantes e, preços bem distintos, inclusive no mercado brasileiro. O Trasylol é exclusividade Bayer. Em janeiro de 2006, The New England Journal of Medicine publicou estudo observacional comparando os três medicamentos com um grupo controle que mostrava risco maior de insuficiência renal, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral. Depois dessa publicação, o impacto foi grande e, obviamente a tentativa em desacreditar os autores foi grande, porém o FDA foi obrigado a fazer um painel a respeito do problema Trasylor que terminou com conclusão favorável ao uso do medicamento. Porém, ontem se revelou que a Bayer ocultou resultado em 65 mil pacientes, aparentemente com resultados apontando para risco maior para quem recebeu a medicação.
O texto básico - um estudo observacional - pode ser lido na íntegra na página http://www.nejm.org para leitores cadastrados gratuitamente. Mangano DT et al The Risk Associated with Aprotinin in Cardiac Surgery. N Engl J Med 2006;354:353-65.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Não parece, mas o FDA reage à pressão da indústria e da Nasdaq.

The New York Times (29/09/06) publica reportagem sobre o Food and Drug Administration após a crítica severa do Institute of Medicine e outros sobre a leniência da agência na aprovação de novos medicamentos. Parte da reportagem merece ser reproduzida para mostrar quem de fato manda na assistência farmacêutica: “ The Nasdaq Biotechnology Index is down about 14 percent since late February, in part on Wall Street’s perception that the F.D.A. has become a tougher gatekeeper” . Parte disso é creditado ao posicionamento da agência após o escândalo Vioxx. Para exemplificar, a reportagem cita que Genentech não conseguiu aprovar ainda o uso do Avastin utilizado como adjuvante para câncer de cólon para câncer de mama. Outros medicamentos já aprovados na Europa estão sendo melhor avaliados como Acomplia da Sanofi-Aventis para obesidade. Somente 1 em 14 fármacos aprovados em 2005 foram aprovados de primeira.
Acima, o gráfico distribuído pelo FDA mostrando que há mais rigor na aprovação de novos medicamentos.

Cópias de medicamentos para reduzir a concorrência do genérico.

The Wall Street Journal informa que hoje o Food and Drug Administration (FDA) irá autorizar a comercialização da paliperidona, medicamento para esquizofrenia da Johnson & Johnson, uma droga derivada diretamente da risperidona, o mais vendido pela empresa com vendas de The $3,55 bilhões. Genéricos da risperidona irão ao mercado em 2008.
Essa saída da perda da patente e aparecimento de genérico já ocorreu com a Schering-Plough com o Clarinex (desloratadina) substituindo o Claritin (loratadina) e com a Astra-Zeneca com o Nexium (esomeprazole) substituindo o Prilosec (omeprazole). A Wyeth submeteu ao FDA a aprovação da desvenlafaxine, derivada do Effexor (venlafaxina) ambos para depressão e, líder de venda da empresa.
Comentário: a questão será como os pagadores privados e estatais estão ou irão reagir à essa política. A questão do Nexium já apresentada nesse blogue, quando uma a UnitedHealth Group decidiu não mais pagar o medicamento, optando por genérico equivalente. No caso dos medicamentos antipsicóticos, o maior comprador é o sistema estatal.
A .

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

China: Democracia e Saúde

Jennifer Ruger da Yale University faz uma análise da relação entre política e saúde, mais especificamente entre democracia e saúde na China. Apresenta as bases filosóficas que apóiam a necessidade da democracia para melhores indicadores de saúde e, discute três momentos da história chinesa: a grande fome de 1958-61; a epidemia de SARS, recentemente e, da epidemia de HIV/aids que continua nos dias atuais. Relaciona a piora dos indicadores econômicos à ausência de imprensa livre, judiciário independente e, eleições multipartidárias. Acrescentaria também o exemplo de ser a China, o país mais infenso ao ataque da indústria do tabaco. O artigo encontra-se disponível no sítio do Quartely Medical Journal. http://qjmed.oxfordjournals.org/
A referência do texto é Ruger J. Democracy and health QJM 2005 98:299-304

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

A atualidade do relatório Flexner

The New England Journal of Medicine apresenta texto de acesso livre em http://www.nejm.org/ analisando o ensino médico nos Estados Unidos quase 100 anos depois do famoso Relatório Flexner. As observações atuais são interessantes, mas muito próprias da realidade americana. Importante é destacar o impacto do Relatório Flexner. Trata-se do trabalho realizado para Fundação Carnegie pelo acadêmico da Johns Hopkins University Abraham Flexner (1866-1925) analisando escolas em todos os estados americanos e no Canadá. O diagnóstico da situação foi contundente, as suas proposições foram duras: excesso de escolas, má instrução e formação, profissionais mal formados e, ausência de controle externo. A influência do Relatório Flexner foi grande para a Fundação Rockefeller que financiou a instalação nos anos 10 e 20 a Faculdade de Medicina e Cirurgia e o Instituto de Hygiene, hoje, respectivamente Faculdade de Medicina e Faculdade de Saúde Pública, ambas da Universidade de São Paulo. Uma das propostas foi a construção de um hospital-escola, no caso o Hospital das Clínicas. O modelo flexneriano seria esconjurado pelo movimento anti-científico dos anos 60 e, persiste sendo criticado até hoje quando é apresentado como “positivista, hospitalocêntrico e biologizante”. Entre seus críticos encontravam-se pedagogos sinceros, raros. Hoje, no entanto predominam oportunistas que utilizam linguagem radical para atuar no setor privado. Criaram, organizaram e orientaram escolas médicas sem qualquer condição de funcionamento, mas que não seguem o “padrão flexneriano”, porque não tem laboratório (não é biologizante!!), nem hospital-escola (não é hospitalocêntrica!!). Uma triste associação entre os empresários do ensino e os "revolucionários" do ensino médico, esses muito bem remunerados com suas “consultorias” pelos tubarões do ensino. Por outro lado, os "positivistas e flexnerianos" estão mantendo o nível nas escolas e hospitais públicos recebendo o salário de funcionário público e, se dedicando ao ensino público e gratuito e prestando assistência à população mais desprovida de recursos. O texto completo do Relatório Flexner pode ser lido em

Gordura trans proibida em Nova Iorque

A Secretaria de Saúde de Nova Iorque proibiu em restaurantes, o o uso de gordura artificial com ácidos graxos com disposição trans. Trata-se de atitude radical, mas que algumas redes americanas como Wendy´s , Donkin Donuts e McDonald´s já realizam de forma progressiva. A associação dos restaurantes reagiu como se fosse uma "Orwellian regulation". O chefe do departamento de Nutrição da Universidade Harvard, Walter Willett, um dos pioneiros em mostrar o risco de alimentos ricos em ácidos graxos trans aplaudiu a idéia por considerar que há um excesso de mortes prematuras originadas pelo consumo excessivo desse tipo de gordura. O tema é complexo, porém representa mais um movimento do jogo de força cada vez mais complexo da prevenção das doenças cardiovasculares. Novamente interessante se deter alguns posts abaixo na discussão da responsabilidade individual e coletiva em saúde pública.
Uma compreensão maior do problema dieta e doenças cardiovasculares adaptada e explicada na realidade brasileira encontra-se no livro de Isabela Bensenor, Orientação Nutricional, Editora Sarvier de Livros Médicos, 2005.

Tabagismo passivo: controle maior à vista.

Circulation publica pesquisa que não deverá ter impacto imediato, porém poderá deflagrar ações rigorosas de controle do tabagismo. Em 2003, o condado de Pueblo no Estado do Colorado (EUA) votou em plebiscito o Smoke-Free Air Act que proibiu o fumo em lugares de trabalho, restaurantes, bares, boliches e qualquer outro local público. Multas pesadas foram aplicadas aos fumantes e proprietários de estabelecimento. Pesquisadores de Universidade do Colorado aproveitaram a oportunidade para avaliar a proposta utilizando outro condado como controle, El Paso. A prevalência do tabagismo em Pueblo é 22,6% contra 17,7% em El Paso. O trabalho consistiu em comparar a incidência de infarto do miocárdio 18 meses antes e 18 meses depois da nova lei. O resultado foi uma queda significativa de infartos na cidade de Pueblo de 257/100.000 pessoas-ano para187/100.000 pessoas anos, ou seja uma redução de 27%. Para os habitantes do condado fora da cidade, a redução que ocorreu de 15% não foi significativa. Porém, o mais importante foi que no condado vizinho a queda foi bem menor de somente 3%. Ressalte-se que a incidência em El Paso era menor 120/100.000 pessoas-ano.
Comentário: os resultados apresentados são exuberantes, mesmo considerando que o valor inicial da incidência de infarto do miocárdio em Pueblo era bem maior do que em El Paso. Esse resultado colabora muito para explicar a redução da mortalidade coronariana em vários locais acompanhado da diminuição do tabagismo como ocorreu no Brasil. Porém, dará novo impulso para a eliminação do tabagismo passivo. O futuro dos fumantes será comprar uma campânula onde poderão exercitar o vício.
O resumo poderá ser lido em http://www.ahajournals.org , o artigo somente para assinantes ou quem tiver acesso aos periódicos CAPES. A referência é Bartechi C et.al. Reduction in the Incidence of Acute Myocardial Infarction Associated With a Citywide Smoking Ordinance. Circulation 2006; 114: 1490-6.

Ameaça ao acervo da Faculdade de Medicina da Bahia

A Tarde (24/09/06) revelou que o acervo da Faculdade de Medicina da Bahia, hoje UFBA encontra-se ameaçado pelas condições que estão armazenados. Parte das teses e textos depositadas já foram restauradas, mas urge digitalizar todo o acervo mais importante da história médica do país. Para quem visita Salvador, com grande chance vai conhecer o Pelourinho e, passa pelo Terreiro de Jesus, onde se encontra o berço da medicina brasileira. Compensa parar e, entrar para visitar sua biblioteca. É fascinante a leitura das teses de conclusão de curso. O professor Fernando Ferreira Costa, da UNICAMP, sempre lembra que a determinação genética da anemia falciforme foi realizada primeira por um aluno da UFBA – Jessé Accioly – nos Arquivos da Faculdade de Medicina da Bahia, porém a lembrança da descoberta é somente creditada ao pesquisador americano James Neel que publicou estudo parecido na Nature.
Acima, foto da Faculdade de Medicina da Bahia no Terreiro de Jesus. Ainda bem que esse prédio foi preservado, porque o prédio da nossa segunda escola, a da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro foi demolida. A terceira faculdade, São Paulo, a querida Casa de Arnaldo, continua inteira em processo de total renovação.

terça-feira, 26 de setembro de 2006

EUA: Seguro Saúde aumenta mais que salário e inflação.

Nos Estados Unidos onde os empregadores costumam bancar o seguro-saúde, o prêmio dos seguros aumentou em 2006, 7,7% em relação ao ano anterior. O gasto por família coberta é de $11.480, ou seja acima do salário mínimo. Hoje, 98% das empresas com mais de 200 funcionários fornecem seguro-saúde, mas somente 60% das empresas com número menor de empregados. Mesmo quando a empresa tem a política de fornecimento de seguro, nem todos os funcionários são elegíveis. O estudo foi realizado pela Kaiser Family Foundation e, pode ser lido na íntegra em http://www.kff.org/insurance/7527/index.cfm Comentário: a realidade do país mais rico e que gasta mais em saúde é preocupante por uma única razão: médicos brasileiros querem aplicar no país, práticas diagnósticas e terapêuticas que não conseguem ser cumpridas nos Estados Unidos, ou quando o são, a custo elevado. As empresas como a GM e Ford não agüentaram bancar o plano de saúde próprio. Para se ter idéia do problema “saúde’, a página do The Wall Street Journal pesquisou qual o principal problema que preocupava seu leitores (imaginem o nível social): 32% aposentadoria, seguido de 27% plano de saúde. Acima, um gráfico mostrando a evolução histórica com a participação dos trabalhadores e empresas.

Liberdade Individual e Compromisso Coletivo em Saúde Pública

Um texto pequeno de leitura fácil publicado em Emerging Themes in Epidemiology analisa o dilema entre a opção individual e o compromisso coletivo.O autor distingue três propostas: a coercitiva, a comunitária e a liberal. Ele também apresenta exemplos do dia a dia: o tabagismo passivo, obrigatoriedade de vacinas e, a notificação de doenças sexualmente transmissíveis. Em síntese, sua análise é a seguinte: "Coercive policies have the obvious disadvantages, first, that they may create improper infringements of individual rights, and, second, that they may grant too great an authority to specific individuals or agencies to determine of what the public good consists. For a communitarian, there is a similar emphasis on the public good, combined with the idea that our personal interests and identities are formed out of our membership of a community with specific values, rather than the nature of the community being fixed by our collected individual interests. Again, appeal to common interests solves the problem of individual-collective conflicts, but arguably at too high a cost in terms of infringements of individual liberties. The most likely solutions lie within liberalism. Following the ideas of John Stuart Mill, liberals believe that individuals should be free to live as they think best, subject only to the limitation that their actions and choices should not cause harm to others. This captures the idea that we should respect individual rights but also identify strict limits to those rights. A difficulty is that it is sometimes controversial what counts as a harm, and how significant it has to be for public policy to act to prevent it: a good example is the contemporary debate on second-hand smoke in public places." O texto complete poderá ser acessado em http://www.ete-online.com