sábado, 13 de outubro de 2007

O tráfico de benzodiazepínicos, agora na mão de traficantes.

Como é muito chique fazer apologia do crime, estou aderindo ao discurso da classe média culpada sei-lá-do-que de solidariedade a criminosos. Bem, explicando melhor e, retirando o sarcasmo da frase anterior, o fato de gangues estarem falsificando receituários e carimbos de médicos para vender benzodiazepínicos já é um avanço. Como? Primeiro, que não há mais jeitinho nas farmácias. Segundo, médicos estão recusando à chantagem corriqueira de vizinhos, parentes, professores de inglês, treinadores de academia, pais de amigos dos filhos que pedem, solicitam, ameaçam por um receitinha de Lexotan ou outros benzodiapínicos. Já tratei disso em Doutor, não colabore com o tráfico de drogas. Abaixo, reportagem do Jornal da Tarde.
MP denuncia tráfico de receitas Esquema funciona livremente na Praça da Sé Felipe Grandin e Fernanda Aranda O Ministério Público (MP) vai investigar o tráfico de receitas médicas que acontece livremente no Centro da Capital. O esquema foi denunciado na quarta-feira pelo Jornal da Tarde. A reportagem comprou quatro receituários e com um deles adquiriu um medicamento tarja preta, de uso controlado, em uma farmácia. A oferta é tão grande que há até concorrência: o preço das receitas varia de R$ 20 a R$ 70.O remédio e os receituários adquiridos pelo JT foram entregues ao MP, que encaminhou o material à polícia e determinou a abertura de um inquérito para apurar o crime. Cópias da denúncia foram enviadas ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), para apurar a eventual irregularidade na conduta dos médicos, e à Vigilância Sanitária, que investigará se houve conivência ou falha na fiscalização.O promotor Eronides dos Santos, que formalizou a denúncia, diz achar difícil, no entanto, que esses profissionais estejam envolvidos no crime. 'Temos que investigar, mas muito provavelmente não houve participação de médicos e agentes públicos', disse. O presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Henrique Gonçalves, concorda: 'Invariavelmente os médicos não conhecem quem cometeu o crime.'Segundo o promotor, o importante será a investigação policial, pois tudo indica que os receituários foram roubados ou falsificados. 'Pela investigação podemos chegar a quem cometeu o furto ou à gráfica que fez a falsificação. Pode ser até uma quadrilha organizada', afirma Santos.Na quarta-feira, três homens foram presos pela Polícia Militar depois do esquema ser denunciado pelo JT. O plaqueiro Oliveira Ferreira, de 73 anos, Roberto Joaquim da Silva, de 58, conhecido como Macumba, e Luis Carlos do Nascimento, 46, o Cabeção, foram autuados em flagrante por falsificação de documento público, exercício ilegal da medicina e por fornecer remédio em desacordo com a receita. Junto com eles, foram apreendidas 40 receitas e atestados médicos, 15 cartelas de medicamentos controlados e um carimbo com nome de médico.A porta de entrada do tráfico de receituários são os 'homens-placa' que anunciam atestados médicos na Praça da Sé. Os plaqueiros levam os compradores até os traficantes, que fornecem as receitas ou os próprios remédios controlados. Durante a reportagem, foi oferecido até um serviço de delivery, em que o medicamento é entregue na casa do 'cliente'.
CarimbosOntem, o JT mostrou também que qualquer um pode fazer o carimbo de médico e falsificar as receitas de medicamentos controlados. A reportagem encomendou por fax dois modelos com nome fictício e CRM inativo em lojas diferentes do Centro. Não foi preciso apresentar nenhum documento. Os carimbos com o nome de Alberto Caeiro,uma das identidades usadas pelo poeta português Fernando Pessoa, ficaram prontos no mesmo dia, ao custo de R$ 6 e R$ 15,90

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Chagas na Amazônia

O Estado de S.Paulo noticia hoje 100 casos de doenças aguda de Chagas com 4 mortes devido ao consumo do açaí em estados da região Norte. Em 2006 foram 115 casos. Nos Cadernos de Saúde Pública há artigo de Roberto Briceno- Leon, La enfermedad de Chagas y la globalización de la Amazonia (artigo completo), cujo resumo encontra-se abaixo. El incremento de casos autóctonos de la enfermedad de Chagas en la Amazonia a partir de los años setenta hace temer que pueda convertirse en un novedoso problema de salud pública en la región. Este cambio del patrón epidemiológico de la enfermedad en la región amazónica debe ser explicado por las transformaciones ambientales y sociales que han ocurrido en los pasados treinta años. Este artículo utiliza la teoría sociológica de los efectos perversos para explicar esos cambios como el resultado indeseado del cambio de modelo de desarrollo "hacia adentro", que había existido hasta los años setenta, por otro "hacia fuera" que está orientado por las fuerzas de la producción y el comercio internacional que conocemos como globalización. El artículo destaca que la implantación de cinco nuevos patrones de ocupación agrícola, ganadero, minería, madera y urbano que han generado cambios en el medio ambiente y el hábitat indígena tradicional y que han provocado corrientes migratorios, deforestación, sedentarización de la población, presencia de animales domésticos y modificaciones en el hábitat que facilitan la colonización de las viviendas por los vectores y la transmisión domestica y laboral de la enfermedad. La expansión de la enfermedad de Chagas es un efecto perverso del proceso de globalización de la Amazonia.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Geriatras e o cuidado com o idoso.

A entrevista com Alexandre Kalache, médico carioca, que esteve 30 anos no Reino Unido e na Organização Mundial de Saúde com enfoque em gerontologia traz dados e conceitos já conhecidos dos "iniciados", mas ainda distante da maioria dos médicos e profissionais de saúde. Por exemplo, uma coisa é reduzir o número de pediatras. Outra é substituí-los por geriatras. Sempre lembro que antes do envelhecimento há muito a fazer na clínica médica geral (e, suas especialidades).
FOLHA - Temos no Brasil perto de 550 geriatras contra 30 mil pediatras. Com o envelhecimento da população, esse quadro deve mudar?
KALACHE - Até certo ponto. A gente não vai conseguir formar geriatras em quantidade para atender, em planos mundiais, 2 bilhões de idosos no ano de 2060. A gente vai poder fazer com que todos os profissionais de saúde saibam aquilo que seja a essência, a base da atenção do idoso. Estou muito mais interessado em que todos os ortopedistas de amanhã, todos os oftalmologistas, todos ginecologistas, todos cirurgiões saibam lidar com idosos e entendam o mínimo sobre a fisiologia do idoso, a anatomia, a depressão, a saúde mental do que formar especialistas. Do contrário, o risco é você acabar medicalizando e tornando o envelhecimento uma especialidade e não uma etapa da vida. O papel do geriatra é muito importante porque, você tendo bons geriatras, terá bons treinadores daqueles profissionais que precisam ser treinados.

domingo, 7 de outubro de 2007

Há indicações e indicações, usos e usos, cuidados e cuidados: a talidomida e o Citotec

Um famoso deputado federal popularizou a frase "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa". No caso dos medicamentos, esse adágio traz algo de real e concreto. Não há medicamento bom ou ruim. Somente há indicação correta e incorreta. Uso adequado e inadequado. Cuidado existente na guarda de medicamento ou nenhum cuidado. Na semana que se divulgaram novos casos de lesão fetal pela talidomida, The Lancet publicou ensaio clínico realizado na França mostrando que a adição da talidomida ao tratamento clássico do mieloma múltipla estende a sobrevida média em seis meses dos pacientes com esse tipo de câncer. Um avanço no tratamento considerando o baixo custo e risco nenhum, exceto permitir o uso pela filha como aconteceu no Rio Grande dos Sul. Há que tomar cuidado, porque em breve haverá um demagogo propondo a proibição da talidomida no país.
Em tempo, o excelente medicamento para úlcera péptica associada ao uso de anti-inflamatórios, o misoprostol (popular Citotec) foi proibido por ser abortivo . Com isso, os idosos perderem a possibilidade de utilizar um excelente medicamento (ele também é indicado para indução do aborto incompleto). A proibição atingiu somente ao uso terapêutico. Quanto ao uso no aborto, tentem acessar no google "citotec".

Carta ao Presidente: Vítimas da Talidomida (O Estado de S. Paulo, 07/10/07)

Hoje, em "O Estado de S.Paulo" há carta aberta reproduzida abaixo pela Associação de vítimas da talidomina. Há informação inédita como o sumiço de 5 mil comprimidos e, a recomendação para uso na malária. Descobri que a repercussão no Brasil ocorreu por causa da reportagem do The Financial Times no dia 01/10. No dia seguinte, Valor Econômico reproduziu a matéria e, no dia seguinte (junto com esse blogue que tinha lido no site do jornal inglês), a Folha de S. Paulo publicou reportagem completa com entrevista com a autora do artigo e representante do Ministério. Acho que a assessoria de imprensa da UFRGS e do Ministério da Sáude precisam ficar mais atentas ao que se publica sobre o país. Estranho, sermos pautados pelos ingleses. Aliás, depois da compra do The Wall Street Journal por Robert Murdoch, resta o The Financial Times.
'Descontrole na área da Saúde gerou a segunda e a terceira geração de vítimas da talidomida' Claudia Marques Maximino e Flávio Augusto Werner Scavasin, PRESIDENTE E VICE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PORTADORES DA SÍNDROME DA TALIDOMIDA Em nome das vítimas brasileiras da talidomida, e com o apoio de diversas entidades internacionais, é nosso dever informá-lo, uma vez mais, que ao contrário do que até muitos médicos pensam, o Brasil continua a gerar crianças com graves deficiências físicas provocadas por essa droga. Isso acontece devido a reiterada omissão governamental e deliberada intenção de expandir ainda mais o seu uso. É uma tragédia anunciada exclusivamente brasileira - tal qual a do setor aéreo -, já que nenhum outro país caminha nessa vergonhosa direção, com tantos erros, prevaricação, falta de controle, impunidade e acobertamento de interesses escusos. Não queremos que o senhor diga que não sabia dos seguintes pontos: o descontrole na área da Saúde gerou a segunda e a terceira geração de vítimas da talidomida; em seu governo, esse remédio vitimou pelo menos mais cinco brasileirinhos, em apenas 2 anos (eles portam graves problemas físicos externos e em órgãos internos); mais vítimas estão nascendo porque nada tem sido feito, mesmo diante do desaparecimento de 5.760 comprimidos de talidomida; médicos insensatos chegam a sugerir em eventos oficiais que a droga seja utilizada até preventivamente contra a malária e o governo federal continua lavando as mãos, descumprindo a legislação, inclusive educativa; todas as conquistas das vítimas, quando estas logram êxito, têm sido obtidas em morosos processos judiciais; projetos de lei de nosso interesse ficam parados no Legislativo (PL 1156/2006, PLS 08e 19 /2006); ninguém presta ajuda ou sequer tenta consolar as famílias das crianças que não sobrevivem. Senhor presidente, ainda nos resta a esperança de que seu governo possa dar uma exemplar reviravolta na trajetória macabra da talidomida no Brasil. Queremos basicamente respeito e rígido cumprimento da legislação pertinente - sempre no sentido de restringir o uso da talidomida e buscar um sucedâneo -, assim como uma ampla campanha de esclarecimento sobre os riscos da droga e da automedicação, prática amplamente difundida na população.

Os vitimizados de 68 já acordaram

Pensei que iria comentar sobre o risco do "ataque de vitimização da geração 68" somente em janeiro, talvez fevereiro de 2008. Mas, começou com o Che, agora no Estadão, o fótografo da passeata dos cem mil está procurando onde estão os participantes. Haja paciência, simplesmente muita paciência com esses mimados com sessenta anos de idade. Essa geração clama ao mesmo tempo os créditos por heroísmo e a recompensa por vítimas. Os eventos de 68 foram somente fotográficos (quantas vezes veremos a foto do carro queimado na Ipiranga com São João ou a briga da Maria Antônia no próximo ano?) mas pouco efetivos em termos de ganhos. Não há como negar a guerrilha urbana e rural foi uma enorme irresponsabilidade que ceifou vidas e justificou o que existia de pior no estamento militar. Quando da promulgação do AI-5 em dezembro, várias organizações "saudaram o fato", porque assim a "ditadura mostrava a sua real face".
Os acontecimentos de 1977 - nos quais participei ativamente - tinham objetivos como anistia, amplas liberdades democráticas e convocação de uma assembléia constituinte. Ganhamos o jogo.
A repressão ao movimento em 77 como a invasão das Faculdades de Medicina da UFMG e USP e da PUC não mereceram nenhuma reportagem. No caso da PUC, mesmo as vítimas reais (queimaduras graves) não se portaram como "vítimas".
Voltando ao fotógrafo de 68, aposto que o número de presentes na passeata dos cem mil chegará a um milhão! Vários com certeza vão entrar com pedidos de indenização ou semelhante.