quarta-feira, 27 de setembro de 2006

A atualidade do relatório Flexner

The New England Journal of Medicine apresenta texto de acesso livre em http://www.nejm.org/ analisando o ensino médico nos Estados Unidos quase 100 anos depois do famoso Relatório Flexner. As observações atuais são interessantes, mas muito próprias da realidade americana. Importante é destacar o impacto do Relatório Flexner. Trata-se do trabalho realizado para Fundação Carnegie pelo acadêmico da Johns Hopkins University Abraham Flexner (1866-1925) analisando escolas em todos os estados americanos e no Canadá. O diagnóstico da situação foi contundente, as suas proposições foram duras: excesso de escolas, má instrução e formação, profissionais mal formados e, ausência de controle externo. A influência do Relatório Flexner foi grande para a Fundação Rockefeller que financiou a instalação nos anos 10 e 20 a Faculdade de Medicina e Cirurgia e o Instituto de Hygiene, hoje, respectivamente Faculdade de Medicina e Faculdade de Saúde Pública, ambas da Universidade de São Paulo. Uma das propostas foi a construção de um hospital-escola, no caso o Hospital das Clínicas. O modelo flexneriano seria esconjurado pelo movimento anti-científico dos anos 60 e, persiste sendo criticado até hoje quando é apresentado como “positivista, hospitalocêntrico e biologizante”. Entre seus críticos encontravam-se pedagogos sinceros, raros. Hoje, no entanto predominam oportunistas que utilizam linguagem radical para atuar no setor privado. Criaram, organizaram e orientaram escolas médicas sem qualquer condição de funcionamento, mas que não seguem o “padrão flexneriano”, porque não tem laboratório (não é biologizante!!), nem hospital-escola (não é hospitalocêntrica!!). Uma triste associação entre os empresários do ensino e os "revolucionários" do ensino médico, esses muito bem remunerados com suas “consultorias” pelos tubarões do ensino. Por outro lado, os "positivistas e flexnerianos" estão mantendo o nível nas escolas e hospitais públicos recebendo o salário de funcionário público e, se dedicando ao ensino público e gratuito e prestando assistência à população mais desprovida de recursos. O texto completo do Relatório Flexner pode ser lido em

3 comentários:

Carlos Marcello disse...

"...more than a score of reports from foundations, educational bodies, and professional task forces have criticized medical education for emphasizing scientific knowledge over biologic understanding, clinical reasoning, practical skill, and the development of character, compassion, and integrity..."
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As associações entre empresários de ensino e pseudo-visionários com salários polpudos são, sem dúvida, funestas, verdadeiros embustes, engodos.
Entretanto, muitas faculdades que formam os melhores médicos têm também sofrido nas últimas décadas de excesso de conhecimento científico e excesso de tecnologia e falta de raciocínio clínico, de simpatia para com a tragédia pessoal dos pacientes (casos), de desenvolvimento de caráter e de integridade.
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Outro trecho do mesmo artigo citado pelo Prof. Lotufo ("American Medical Education 100 Years after the Flexner Report") diz que ..."In academic hospitals, research quickly outstripped teaching in importance, and a "publish or perish" culture emerged in American universities and medical schools. Research productivity became the metric by which faculty accomplishment was judged; teaching, caring for patients, and addressing broader public health issues were viewed as less important activities."
Este mesmo problema é encontrado nas melhores faculdades do país.
Não nos comparemos com o completo joio. Vamos analisar o que há de ruim no nosso trigo.

Anônimo disse...

Sem desmerecer, ou não levar em consideração, os progressos impostos ao ensino médico pela aplicação das recomendações de Flexner, precisamos , também, incorporar valores humanitários ao ensino das profissões de saúde assim como não perdermos de vista os determinantes não-biológicos do adoecer.Os modelos não se excluem mas coexistem e se complementam.

Anônimo disse...

O relatório Flexner, embora elaborado precipitadamente e sob observações e metodologias cientificamente duvidosas e insuficientes, representou uma evolução necessária ao caos do ensino da Medicina existente na época. Pois ainda que amparado em uma leitura reducionista do processo saúde-doença, no contexto laissez faire do período no qual ele foi proposto, o relatório representou uma quebra da permissividade excessiva que predominava tanto os sistemas de ensino quanto de atuação em Medicina.
O problema é que o modelo de investigação por ele proposto estagnou e não é difícil sugerir possíveis causas desta hegemonia. Abrir mão da supremacia imposta pelos médicos é abdicar de um poder que hoje mantém não somente estes profissionais, mas grande parte do capitalismo. Talvez o quinhão sustentado pela ditadura médica seja o mais rentável e o mais promissor deste sistema capital representado por indústrias farmacêuticas, de mídia e propaganda e de planos de saúde.
O monopólio médico e a suposta hegemonia do seu conhecimento permanece uma luta de prognósticos favoráveis à classe médica porque assumir a limitação que representa olhar o ser humano considerando somente seus aspectos biológicos pressupõe também assumir a demanda de outros profissionais capacitados para entender este indivíduo nos seus outros aspectos. Entendo que uma visão não “hospitalocêntrica” que considere uma causação multideterminante do processo de adoecer, assim como dos processos envolvidos na promoção e na manutenção de saúde é hoje premissa incontestável quando falamos de humanização e atenção ao ser integral.


Zinah